segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

Evans: sobre Frege e os Scheingedanken

Gareth Evans (e John McDowell), em The Varieties of Reference e "Understanding Demonstratives", sustentou que na filosofia da linguagem do Frege maduro, e não apenas naquela contida na Begriffsschrift e em "Função e Conceito", havia espaço para proposições (pensamentos) dependentes de objetos (ou proposições russellianas, como algumas vezes são chamadas). Evans tem uma série de argumentos para apoiar essa interpretação. Heimir Geirsson, em um excelente artigo, "Frege and Object Dependent Propositions" (2002, Dialectica, vol. 56, n°4, pp. 299-314), procura mostrar que os argumentos de Evans não justificam sua interpretação e que essa interpretação está em franca contradição com algumas passagens dos escritos de Frege.

Uma proposição dependente de um objeto (PDO) é uma que não poderia existir se esse objeto não existisse. Esse é o caso de proposições cuja expressão envolve um nome próprio. A frase "Lula é o atual presidente do Brasil" expressa uma proposição sobre Lula. Alguns sustentam que essa proposição não existiria se Lula nunca tivesse existido. Portanto, segundo esses, essa é uma PDO. A frase "Guilherme Tell era um excelente arqueiro", por outro lado, segundo esses autores, não expressa uma proposição, pois "Guilherme Tell" é uma expressão vazia, não nomeia coisa alguma, pois Guilherme Tell nunca existiu. Essa frase, portanto, não expressa nada verdadeiro ou falso. (É claro que, dessa perspectiva, é problemático dizer que "Guilherme Tell" não nomeia nada porque Guilherme Tell nunca existiu. Se "Guilherme Tell era um excelente arqueiro" não expressa uma proposição porque "Guilherme Tell" não nomeia nada, então o mesmo acontece com "Guilherme Tell nunca existiu".) Segundo Evans, contrariamente à interpretação tradicional de Frege, a introdução da distinção entre sentido e referência por parte de Frege não permitiu que ele abandonasse a crença que uma frase que contém um nome próprio (excluindo-se ai os contextos intensionais) expressa uma PDO, quando expressa alguma proposição, e que não expressa nenhuma proposição quando o referido nome é vazio. Os argumentos de Evans se baseiam em boa medida no principio de caridade. Todavia, eu tendo a concordar com as objeções de Geirsson, principalmente quando ele aponta para a dificuldade de se conciliar a interpretação de Evans com o que Frege diz explicitamente em algumas passagens. Sendo assim, creio que um Scheingedanke, para Frege, não é um pseudo-pensamento, mas um pensamento defeituoso, sem valor de verdade.

Foto: Gareth Evans

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